segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A isenção político-profissional (ou vice versa) e o argumento "ad hominem".


Ainda a propósito do exercício em simultâneo, no mesmo concelho, do cargo de funcionário da câmara e deputado municipal, colocou-se a questão do "respeito hierárquico" e as garantias de isenção.
Para quem exerce funções como trabalhador com vínculo público, o "respeito hierárquico" é um conceito que integra, nos termos do artigo 73.º da Lei n.º 35/2014, 20 de junho (lei geral do trabalho em funções públicas), nomeadamente, os deveres de:
Zelo (que consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas);
Obediência (que consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal);
Lealdade (que consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço);
Correção (que consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos).
No caso do deputado municipal, "o chefe do político eleito" até pode ser, em teoria, o cidadão (sobretudo se se tratar de uma candidatura não partidária) mas, na prática, tendo o mesmo integrado a lista de um partido ou coligação, o que acontece é que se não obedecer aos ditames partidários é convidado a sair dando lugar a outro mais obediente. Se insistir ficar, a rutura com o partido é definitiva e o autarca deixa de integrar o grupo municipal de origem ficando como independente. Logo, quem manda nos autarcas não são os cidadãos, mas os designados “aparelhos do partido” ou os respetivos líderes das estruturas locais.
Em qualquer dos casos, servidores do Estado (administração central, regional ou local) ou políticos eleitos nos diversos órgãos autárquicos, quem manda é a lei pois que a ela todos estão vinculados.
Considerando que os deveres a que um funcionário público deve obedecer se mantêm mesmo no período pós-laboral, quando esse trabalhador, embora nas suas horas vagas, está a desempenhar um papel político, existe sempre uma sobreposição funcional. Assim sendo, coloca-se a seguinte questão:
Conseguirá um funcionário da câmara e deputado municipal no mesmo concelho obedecer em simultâneo, com igual isenção, a ambos os “patrões”?
Sendo aquela uma possibilidade legal, por não haver impedimentos na lei à referida acumulação, sem provas concretas de comportamentos de rutura que atestem o incumprimento dos deveres como funcionário público e mantendo a pessoa em causa a confiança política do seu partido, de nada podem os visados ser acusados, nomeadamente de faltarem aos seus deveres enquanto trabalhadores autárquicos.
Todavia, criada a situação de suspeição (mesmo que apenas em teoria), não podem os envolvidos impedir que sobre eles recaia a dúvida sobre a sua efetiva capacidade de isenção por mais íntegros que sejam. E quem não se quer sujeitar a estes julgamentos só tem uma solução: optar por não se colocar nesse tipo de situações. Se escolhe ficar, utilizar a censura como método para eliminar a livre opinião de quem aborda o assunto é um ato antidemocrático que acaba por fortalecer a dúvida sobre si em vez de a afastar.
Há uns anos atrás (bastantes), tendo sido sondada para participar nas listas para a assembleia municipal de um concelho do distrito de Lisboa, como funcionária de uma entidade supramunicipal dessa região (a qual integrava todos os presidentes de câmara e assembleias municipais do distrito), considerei que, mesmo sendo essa acumulação legal, poderiam estar reunidas condições para haver suspeitas quanto à minha isenção caso fosse eleita. Assim, porque não seria capaz de aceitar ver a minha idoneidade profissional colocada em causa ou a minha integridade política sob suspeita, entendi que deveria recusar por considerar haver incompatibilidade ética no desempenho simultâneo de ambos os cargos.
Por isso, esta é daquelas perguntas a que apenas os próprios poderão responder já que ela depende dos princípios éticos que defendem. E se optar por manter ambos os cargos ou escolher apenas um deles é uma decisão individual que se deve respeitar, em democracia, considerando que o desempenho de cargos públicos (a nível profissional ou político) é sindicável, impedir que terceiros façam a avaliação dessas atitudes com o argumento de que são ataques “ad hominem” é uma falácia que apenas quem se sente inseguro ou tem algo a esconder pode defender.

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