quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

PROPORCIONALIDADE ENVIESADA

Imagem tirada daqui.


Os maiores partidos apropriam-se da expressão eleitoral dos mais pequenos, num inadmissível abuso de posição dominante.


«A actual composição do Parlamento encerra uma grave inconstitucionalidade que resulta do processo eleitoral. E, se fosse respeitada a Constituição, a geografia parlamentar seria bem diferente.
Partidos como o Livre, o PDR ou o MPT teriam assento parlamentar. O PSD, o CDS e PS teriam menos deputados. E ficariam de fora alguns dos novos deputados que não têm, assim, legitimidade eleitoral.
Rezam os artigos 149.º e 288.º da Lei fundamental que os partidos devem ter uma proporção de deputados equivalente ao número de votos.
Mas tal não acontece, nem de perto, nem de longe. Os deputados da Coligação PSD/PP foram eleitos com apenas vinte mil votos cada; mas já o Bloco de Esquerda precisou de trinta mil. E o único deputado do PAN necessitou mesmo de setenta e cinco mil votos para a sua eleição, quase quatro vezes mais do que os deputados socialistas. Há mesmo partidos que, apesar de terem muitos mais votos do que os vinte mil que elegeram os deputados da coligação ganhadora, não vão estar representados no Parlamento.
A ser garantida a proporcionalidade do sistema eleitoral, que poderia ser conseguida com a criação de um círculo nacional de compensação, o PDR e o MRPP deveriam ter uma representação de dois deputados; e até o Livre, o MPT e o PNR deveriam ter assento parlamentar. Mas vão todos ficar de fora. Inconstitucionalmente. Os lugares a que tinham legitimamente direito serão ocupados por deputados sem representatividade, mas que pertencem aos partidos que dominam o sistema — PSD, CDS, PS.
Curiosamente, Bloco de Esquerda e PCP, apesar de prejudicados, não reclamam. Talvez porque preferem assumir o prejuízo, com a garantia de que outros pequenos partidos, como o Livre, não lhes vêm disputar o protagonismo parlamentar.
É assim o mercado eleitoral português: os maiores partidos apropriam-se da expressão eleitoral dos mais pequenos, num inadmissível abuso de posição dominante. E os pequenos, em vez de se defenderem, mantêm os ainda mais pequenos no ostracismo, apesar de estes representarem centenas de milhares de eleitores.»


Paulo Morais, jornal Público, 07-12-2015.

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