sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Assembleias Distritais: afinal o confisco patrimonial já se concretizou?



O secretário de Estado da Administração Local disse à Lusa que o Governo pretende "rever as regras sobre as Assembleias Distritais (AD)" depois das eleições autárquicas mas não antecipou cenários porque quer que esta reforma seja "discutida com os autarcas".

"Este é um tema que para alguns autarcas é sensível. O momento prudente para mexer nesta matéria é depois das eleições autárquicas", afirmou António Leitão Amaro, lembrando que o Governo já iniciou a reforma das AD, tratando da reafetação patrimonial destas entidades.

O secretário de Estado lembrou que, logo que entrou em funções, "este Governo mostrou uma visão muito própria sobre as Assembleias Distritais, dizendo que, no respeito da Constituição, que as prevê, estas instituições são estruturas que não estão adaptadas à organização administrativa e às necessidades maiores do país".

No entanto, e embora tenha garantido que depois das autárquicas de 29 de setembro haverá novidades sobre esta matéria, preferiu não antecipar cenários sobre que forma vão tomar estas novas regras.

Formalmente existem 18 Assembleias Distritais, mas, lembrou Leitão Amaro, "outra questão é quais estão ativas". Quando o Governo pediu às AD que reportassem o seu património, obteve três respostas, de Beja, Lisboa e Viseu.

Isto, considerou, "é muito demonstrativo da situação das AD no país".

Apesar de terem autonomia administrativa, financeira e patrimonial, as AD vivem das contribuições das autarquias que as constituem e estão impedidas de contrair empréstimos, mesmo perante graves problemas de tesouraria, o que dificulta a gestão e a recuperação do património que possuem, maioritariamente herdado das estruturas equivalentes anteriores, como as Juntas Distritais, extintas em 1976.


Até 1991, as AD eram presididas pelo governador civil e serviam como plataforma de encontro entre os autarcas e o representante do Governo no distrito, para esclarecimentos e sugestões sobre os projetos governamentais.

Atualmente o seu papel está reduzido e até já houve distritos que decidiram esvaziar estas estruturas, como Faro e Santarém. O secretário de Estado estima que haja cerca de 50 funcionários afetos a estas entidades.


"Há, de facto, uma ou outra AD que tem trabalho e presta serviços efetivos. Mas a verdade é que os serviços que presta não são os serviços que a Constituição lhe atribui. As AD são órgãos deliberativos - discutem assuntos, e, eventualmente, tomam posições. Os serviços que existem [hoje] numa ou outra AD são serviços do tipo executivo e administrativo. Isto não é o que Constituição lhes pede, [mesmo que possam ser] serviços importantes", concluiu.»

Fonte: Jornal I

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E é por causa desta falta de conhecimento atroz sobre as assembleias distritais (que não é desculpável a nenhum título) que o Governo demonstra que eu fico preocupada, e muito, com essa reforma que aí vem (entre outros motivos que não vale a pena aqui enumerar por serem demais conhecidos de todos nós).

Afirmar:
«Há, de facto, uma ou outra AD que tem trabalho e presta serviços efetivos. Mas a verdade é que os serviços que presta não são os serviços que a Constituição lhe atribui. As AD são órgãos deliberativos - discutem assuntos, e, eventualmente, tomam posições. Os serviços que existem [hoje] numa ou outra AD são serviços do tipo executivo e administrativo. Isto não é o que Constituição lhes pede, [mesmo que possam ser] serviços importantes».

É de arrepiar! Asneira do princípio ao fim! Ou seja, para o senhor Secretário de Estado,

O Museu Rainha D. Leonor, da Assembleia Distrital de Beja,
O Museu de Arqueologia e Etnografia, da Assembleia Distrital de Setúbal,
Os Serviços de Cultura (Arquivo Distrital, Biblioteca, Setor Editorial, Núcleo de Investigação e Museu Etnográfico), da Assembleia Distrital de Lisboa,

São simples “serviços de tipo executivo e administrativo”? Ora bolas! E nós a pensarmos que eram serviços culturais!

E por acaso será que o senhor Secretário de Estado conhece mesmo o texto do artigo 291.º da Constituição da República Portuguesa? É que esse artigo apenas refere que até à criação das regiões administrativas manter-se-á a divisão distrital e que haverá em cada distrito uma assembleia deliberativa composta por representantes dos municípios nos temos a definir por lei. Não existe uma única atribuição ou competência enunciada. Acho que o senhor Secretário de Estado está bastante confuso…

Conhecerá o senhor Secretário de Estado o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro? Nomeadamente o teor do seu artigo 6.º? Parece-me que não! Caso contrário não diria tanta asneira.

Estabelece o artigo 6.º do diploma atrás citado que compete à assembleia distrital, nomeadamente:
«Deliberar sobre a criação ou manutenção de serviços que, na área do distrito, apoiem tecnicamente as autarquias locais»;
«Deliberar sobre a criação e manutenção de museus etnográficos, históricos e de arte local»;
«Deliberar sobre a investigação, inventariação e conservação dos valores locais e arqueológicos, históricos e artísticos e sobre a preservação e divulgação do folclore, trajos e costumes regionais».

Assim sendo, mantém o senhor Secretário de Estado que a missão cultural que os serviços atrás identificados desenvolvem (Museu Regional de Beja, Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal e Serviços de Cultura da Assembleia Distrital de Lisboa) não cumpre com as atribuições que cabem aos respetivos órgãos tutelares (as assembleias deliberativas que a Constituição prevê)?
Saberá, por ventura do que é que está a falar quando se refere às Assembleias Distritais? Terá noção de que, no país, a realidade é muito diversa e cada distrito é um caso?

Perante as declarações ao jornal I é evidente que desconhece o que se passa mas também não se coibiu de mentir. Mentir. Sim! Porque, seguramente, não é por falta de informação… estou em crer que é mesmo por intenção deliberada em lançar poeira sobre a opinião pública que este tipo de afirmações são veiculadas, já que o tema tem sido tabu e muito pouco (ou mesmo nada) interessa à maioria das pessoas que desconhece o que são as Assembleias Distritais, apesar de muitos usufruírem dos serviços prestados por estas entidades.

Mas ainda há mais.

Afirma o senhor Secretário de Estado que «o Governo já iniciou a reforma das AD, tratando da reafetação patrimonial destas entidades». Deve estar a brincar, com certeza.

Já tratou da reafetação patrimonial? Como é isso possível sem que tenha havido alteração do artigo 291.º da Constituição e se mantenha inalterado o regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro?

Querem lá ver que o confisco que este Governo pretendia fazer ao património predial das Assembleias Distritais (passando-o automaticamente para a posse do Estado e sem pronúncia dos seus legítimos proprietários), conforme assim vinha expresso na proposta de lei do OE 2013, e que depois foi corrigido na versão final (após pressão da ANMP e das Assembleias Distritais), acabou mesmo por acontecer?

Se para a maioria das assembleias distritais isto não é preocupação pois não são detentoras de bens imobiliários que despertem a cobiça do Governo, o mesmo já não se pode dizer das Assembleias Distritais de Castelo Branco, Porto e Santarém, mas em especial a de Lisboa cujo património predial (distribuído pelos concelhos da Amadora, Lisboa, Loures e Odivelas) está avaliado em quase meia centena de milhão de euros.

Sobre esta matéria irei ainda escrever mais em detalhe porque a situação é deveras complexa. Pelo que fico-me por aqui. Até breve.

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