terça-feira, 23 de agosto de 2011

Manual de crimes urbanísticos

LOTEAMENTOS, CEDÊNCIAS E COMPENSAÇÕES
«De acordo com o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, qualquer operação de loteamento deve prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos. Esta imposição obrigatória de cedência de terrenos aos municípios por parte dos particulares constitui a contrapartida pela qual os últimos estão a beneficiar da permissão de lotear, concedida pelos primeiros (…)
Quando o prédio a lotear já estiver servido pelas infra-estruturas exigíveis, ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde público no referido prédio, não há lugar a qualquer cedência para esses fins, ficando no entanto o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie, nos termos definidos em regulamento municipal. (…)
Se não existirem critérios rigorosos e claros que permitam impor a obrigatoriedade das cedências, os promotores imobiliários (assim como os municípios mais ávidos das receitas provenientes das compensações) que não apostem na qualidade dos seus empreendimentos e prefiram a rentabilização construtiva máxima jamais irão justificar a necessidade de construir equipamentos ou espaços verdes públicos nos seus empreendimentos. Assim, os loteamentos não terão a qualidade urbanística desejada, já qu os municípios preferirão receber dinheiro (numerário) ou lotes (espécie) para saldar as suas inúmeras dívidas. (…)
De acordo com este paradigma, deixa de existir uma política de produção de espaços públicos ou, quando existe, a sua vocação centra-se na produção de espaços públicos destinados essencialmente à infra-estruturação rodoviária que sirva os loteamentos aprovados: beneficia-se desta forma a oferta de espaços para o cidadão automobilizado (estradas, rotundas, estacionamento, vias arborizadas, etc.) em detrimento de espaços que poderiam ser oferecidos aos pedestres para utilização e fruição (hortas, jardins, parques, praças, largos, etc.). O espaço público destinado ao cidadão deixa de ser um espaço humanizado de permanência para passar a ser um espaço mecânico de circulação.»

LIGAÇÕES PERIGOSAS
«As sociedades gestoras dos FII [Fundos de Investimento Imobiliário] são constituídas, por norma, por entidades associadas a bancos, sociedades de investimento ou empresas de construção. (…) Será assim improvável que muitas destas instituições não mantenham com os municípios uma relação de algumas afinidade (…).
Se seguirmos esta linha de raciocínio, percebemos o seguinte: a) essas instituições são entidades credoras do município; b) as mesmas têm projectos em apreciação nos municípios; c) mais construção serve para aumentar as receitas municipais que, por sua vez, servirão para satisfazer as entidades credoras – que também estão interessadas num aumento de rentabilidade do seu investimento. Estão assim reunidos todos os ingredientes susceptíveis de viabilização de projectos megalómanos ou urbanisticamente indesejáveis. Os municípios ficam ética e financeiramente reféns de um modelo de investimento promíscuo.»


Luís F. Rodrigues, Manual de Crimes Urbanísticos, edição Guerra & Paz, 2011.

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