sexta-feira, 22 de maio de 2009

Uma cidade inclusiva e a igualdade de género

por Manuela Tavares*

Há cerca de três anos foi atribuído a Évora o prémio de cidade inclusiva pela qualidade das intervenções urbanas e requalificação do núcleo histórico.
Afirma-se que Viseu pertence à primeira geração de cidades inclusivas por ter desenvolvido um plano de acessibilidades para deficientes.
Em S. Paulo, no Brasil, existe um programa discutido publicamente assente em três vertentes:
- Uma Cidade de Direitos ou seja existe a universalidade de serviços públicos.
- Uma Cidade Sustentável onde se procura compatibilizar a melhoria da qualidade de vida para as gerações presentes e futuras com redução de impactos ambientais.
- Uma Cidade Inclusiva que procura reduzir as desigualdades sociais através da articulação de políticas públicas de educação, saúde, cultura, habitação, trabalho, segurança e igualdade de género.
É nesta perspectiva de Cidade Inclusiva que me situo, considerando, contudo que o planeamento urbanístico e as acessibilidades jogam também um papel fundamental na construção de uma Cidade Inclusiva.
Uma Cidade Inclusiva é uma cidade para todos e para todas, sem guetos sociais, sem periferias onde a diferenciação é sinónimo de menos direitos e oportunidades.
A dimensão de género aplicada às cidades suscita um debate novo, que não só incomoda, mas faz com que apareçam outras escolhas em matéria de planeamento e gestão das cidades. A análise da vida quotidiana tendo em conta os olhares atentos das mulheres e as suas preocupações tem como vantagem abordar de maneira qualitativa as questões da mobilidade, a segurança, a habitação, por exemplo.
Quando de manhã cedo se apanha o barco de Cacilhas para Lisboa é espantoso verificar o grande número de mulheres que nele embarcam. São trabalhadoras de serviços menos qualificados, limpezas, serviço doméstico, muitas delas imigrantes, moradoras nas zonas periféricas da cidade. Antes de apanharem aquele barco das 7h ou 7h 30 da manhã tiveram de deixar os filhos em amas, em creches ou em casa de familiares. A que horas se levantam estas mulheres? Que acessos têm a serviços de apoio a crianças, quando muitas vezes se mora longe da creche e se têm que fazer deslocações transversais sem sentido, meras perdas de tempo e acumulação de cansaços.
Tudo isto acontece porque a planificação urbana teve em conta um modelo de família nuclear onde a mulher estava predestinada à vida doméstica e o homem é que saia para trabalhar. Este modelo que cristalizou estereótipos sociais está em regressão há décadas. É evidente que se foram construindo estruturas de apoio a crianças, mas sem integração comunitária, sem um sentido de serviços de proximidade.
Que diagnóstico tem sido feito da situação das mulheres no concelho de Almada? Da feminização da pobreza, tendo em consideração as famílias monoparentais, entre outros factores. Das muitas horas gastas em transportes. Dos níveis de insegurança quando regressam tarde a casa. Do funcionamento dos serviços sociais. Da precariedade do trabalho. Do apoio a idosos/as, pois é sobre as mulheres que também recaem estas tarefas do cuidado. Das necessidades de horários alternativos e flexíveis de atendimento dos serviços públicos.
As instituições que trabalham na área do social têm diagnóstico elaborado, mas nem sempre ele é feito integrando a componente de género e integrado em termos globais, para que se possam definir estratégias, tendo em consideração a opinião das mulheres. Muitas vezes, a articulação surge por parte das entidades que têm necessidade de se articular, mas sem uma intervenção estratégica, em sintonia com um plano previamente elaborado que possa ser avaliado em termos de impacto junto das populações recolhendo a sua própria avaliação. Deste modo não existem verdadeiramente medidas sociais articuladas.
A Câmara Municipal de Almada, nunca se interessou em elaborar um Plano Municipal para a igualdade de Género, para o qual até existe financiamento, como tem acontecido com outros municípios, que têm aberto gabinetes de atendimento a mulheres nas áreas do emprego, da violência, entre outras. Neste momento, existem 30 municípios que celebraram protocolos com a CIG para avançarem com Planos Municipais para a Igualdade. Existem estudos sobre Género, Território e Ambiente com instrumentos para diagnóstico já elaborados a serem aplicados nos concelhos. Um deles, de fácil acesso na Internet, é coordenado pelos Professores Jorge Gaspar e Margarida Queirós.
Existe ainda, a Carta Europeia das Mulheres na Cidade que enuncia os factores cruciais nas cidades que afectam a vida das mulheres:
- A distribuição e as possibilidades de acesso ao emprego.
- O número e a qualidade de serviços quotidianos, serviços comunitários em especial os que se destinam ao apoio de crianças e idosos.
- O acesso ao centro de decisões no que se refere à cidade, à cultura e ao lazer.
- A segurança e os factores de insegurança na cidade.
- A melhoria da mobilidade para todos e para todas.
- A qualidade e preservação do meio ambiente.
Se falarmos de cidades noutros países, como por exemplo, no Brasil que são pioneiras em Políticas para a Igualdade de Género envolvendo as mulheres na definição dessas mesmas políticas, podemos falar por exemplo de S. Paulo, onde em 2007 se realizou uma Conferência Municipal com o tema: “As mulheres discutindo políticas públicas para a Igualdade na cidade de S. Paulo”. Como objectivo fundamental desta conferência foi colocada a necessidade de construir políticas públicas integradas para a Igualdade, combater as discriminações, ampliando a cidadania e a organização das mulheres.
Poder-se-ia falar das mulheres do Recife, que conseguiram um Programa de Cidade Segura, dando visibilidade ao problema da violência contra as mulheres em meio urbano, ou ainda das mulheres de Rosário na Argentina, que ocuparam uma praça abandonada e pintaram murais com a seguinte mensagem: “Mais mulheres nas ruas, seguras e sem violência”. Isto conquistou a prefeitura da cidade para equipar a praça com mobiliário urbano e iluminação adequada. Em Santiago do Chile, as mulheres mobilizaram-se para recuperar espaços tradicionalmente desocupados e perigosos que à noite ficavam desertos.
Uma Política para a Igualdade não tem estado nos horizontes da intervenção da Câmara Municipal de Almada. É preciso que o SOCIAL e a IGUALDADE estejam no centro das políticas locais e sejam uma preocupação efectiva da Câmara Municipal.
Algumas propostas para a cidade de Almada podem ser equacionadas nesta área da Igualdade de Género:
- Implementação de um Plano Municipal para a Igualdade de Género que tenha em consideração várias medidas: Criação de um GABINETE MUNICIPAL DE ATENDIMENTO E INFORMAÇÃO ÀS MULHERES a funcionar com diversas valências: emprego, violência, saúde sexual e reprodutiva, apoio a crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência. Este Gabinete deve agregar uma LINHA ABERTA, fazer o reencaminhamento para as entidades e associações que trabalham nas diversas áreas e prestar apoio jurídico e psicológico. Deve também estimular as mulheres a desenvolverem a sua formação pessoal, profissional e social, em parceria com outras entidades, através da criação de cursos ou acções de formação dirigidas a mulheres.
- Criação de uma Comissão Consultiva Municipal na área da Igualdade de Género. Esta Comissão será composta por representantes de organizações de mulheres, vereador(a) responsável por esta área, representantes das Assembleias de Freguesia e da Assembleia Municipal e responsáveis autárquicos pelas diversas áreas: social, urbanismo, ambiente, cultura, educação e saúde. Esta Comissão deve elaborar uma CARTA SOCIAL para identificação de grupos de mulheres em situação de risco, que trace medidas para dar respostas a problemas de: mulheres sós com filhos a cargo, mulheres imigrantes ameaçadas de isolamento, mães e mulheres de toxicodependentes, mulheres com baixas qualificações, mulheres desempregadas.
- Desenvolvimento de campanhas de sensibilização e denuncia da violência exercida sobre mulheres e crianças. É uma realidade que a CMA deu apoio à criação de uma Casa Abrigo para mulheres vítimas de violência no concelho de Almada, um facto a louvar. Contudo, há necessidade de desenvolvimento de campanhas públicas de combate à violência e de Intervir no sentido do Conselho Municipal de Segurança ter em atenção a violência no espaço doméstico, como uma das maiores ameaças à integridade física e mental das mulheres e das crianças.
- Em termos da prevenção da insegurança urbana é preciso melhorar a iluminação de ruas menos frequentadas, de telefones públicos e de paragens de camionetas.
- Criação de SERVIÇOS DE PROXIMIDADE de apoio às famílias. Nos locais de habitação devem ser criadas condições para a existência de serviços que, ao mesmo tempo que criam emprego, apoiam as famílias em: refeições rápidas, comida feita para levar para casa, lavandarias, apoio domiciliário a idosos/as, serviços de limpezas e de reparações domésticas. Apoiar a criação de SERVIÇOS DE APOIO DOMICILIÁRIO a idosos/as e a pessoas com deficiência: distribuição de refeições, cuidados médicos e de enfermagem, ajuda nas actividades domésticas, acções de animação e de acompanhamento, assim como vigilâncias nocturnas. Há necessidade de promover actividades de relacionamento intergeracional, que quebrem a solidão das pessoas idosas e valorizem as suas experiências e conhecimentos. Espaços públicos que permitam a convivência social assim como o reforço dos laços de vizinhança.
- Eliminação de barreiras arquitectónicas que impedem a circulação de pessoas com deficiência, de idosos/as, de carrinhos com compras e carrinhos de crianças.
- Elaboração de um Guia de Recursos que divulgue informação sobre os apoios a pessoas idosas.
No que se refere aos cuidados com as crianças várias medidas devem ser tomadas.
- Acolhimento de Crianças em idade pré escolar, em jardins de infância, com horários articulados com os dos pais.
- Tempos livres para crianças fora do horário escolar.
- Estruturas de apoio a crianças nas proximidades de centros culturais, bibliotecas públicas ou centros comerciais.
Sendo as mulheres que mais sofrem com as duplas e triplas tarefas cabe também a uma autarquia desenvolver campanhas de sensibilização sobre a partilha dos tempos de trabalho e de lazer, no sentido de fazer evoluir as mentalidades, nesta matéria.
Considerando que são as mulheres quem mais tempo perde emtransportes e que mais se deslocam em transportes públicos, impõem-se medidas que garantam:
- Melhoria da rede de transportes públicos, em especial na circulação transversal em zonas do concelho que não são servidas pelo Metro Sul do Tejo.
- Horários que permitam a articulação da vida profissional e familiar e quebrem com o isolamento de bairros e freguesias como é o caso da Trafaria, da Costa da Caparica e de bairros sociais como o PIA.
- Garantia da proximidade de escolas, creches, centros de saúde e farmácias.
- Descentralização da vida urbana, em termos de serviços públicos e culturais, dada a realidade assimétrica existente no concelho.
- Criação de espaços verdes junto às áreas de habitação que permitam o
convívio de crianças, jovens e idosos. Não basta que exista um Parque da Paz para o qual as pessoas se deslocam no fim de semana “de automóvel”. É preciso multiplicar os pequenos espaços de lazer junto às áreas habitacionais.
No sentido de dar maior visibilidade às mulheres na cidade propõe-se:
- Aumentar na toponímia concelhia os nomes de mulheres.
-Fomentar a realização regular no concelho de mesas redondas e seminários sobre os Direitos das Mulheres na sua dimensão de Direitos Humanos.
- Instituir um Prémio Municipal para trabalhos literários, estudos e boas práticas na área da Igualdade.
- Incentivar a produção artística e cultural de mulheres, em especial, nas áreas em que a sua presença é ainda escassa.
- Promover uma nova cultura na área do Desporto que crie condições para uma maior participação das mulheres.
- Apoiar a organização de Campanhas de Prevenção da saúde das mulheres: cancro da mama e do útero, menopausa, anorexia e bulimia, sida e doenças sexualmente transmissíveis.
- Apoiar junto das entidades locais de saúde uma Rede de Informação sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos: contracepção de emergência, planeamento familiar, educação sexual.

* Dirigente da UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, doutorada em Estudos sobre as Mulheres, mandatária do BE em Almada para as próximas eleições autárquicas de 2009. Intervenção proferida no fórum/debate "A cidade inclusiva", realizado no 20 de Maio de 2009, no Ponto de Encontro, em Cacilhas.

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