domingo, 7 de janeiro de 2007

BES - uma odisseia digna de Kafka

O Banco Espírito Santo (BES), uma das instituições financeiras envolvidas no âmbito da “operação furacão” lançada em Outubro de 2005 pelo Ministério Público para apurar situações de fraude fiscal, encontra-se agora envolvido num insólito caso de cobrança duplicada (em 2006) de créditos já integralmente pagos pelo cliente (em 2000).
Espantados? Então leiam o seguinte texto, que relata uma ocorrência digna de um enredo kafquiano:

No ano de 1997, o BES concedeu ao casal Silva (S e M) um crédito individual a pagar em 36 mensalidades.
Ainda nesse ano, o casal divorcia-se. M (a mulher) assume o pagamento daquela dívida e comunica ao banco a alteração do seu estado civil e a nova morada.
Em 2000 é paga a última prestação e M pretende cancelar a conta de depósitos à ordem associada mas não o consegue por impossibilidade de contactar o 1.º titular (o ex-marido) e continua a receber os respectivos extractos bancários até que, sem qualquer comunicação prévia, o BES deixa de o fazer a partir de Março de 2002.
Em 2006, M solicita à CGD um empréstimo para aquisição de habitação e recebe a informação de que o seu nome está incluído na base de dados de devedores de riscos do Banco de Portugal. De imediato M desloca-se ao Banco de Portugal e fica a saber, para seu espanto, que tem uma dívida “abatida ao activo” do BES, ou seja, um débito de 395€ considerado incobrável.
No BES confirmam a existência da dívida mas não sabem informar de que se trata por a conta estar bloqueada devido a não ser movimentada há vários anos. À pergunta: “porque nunca me contactaram?”, o funcionário responde: “porque desconhecemos a sua morada e não tínhamos qualquer outro contacto” e mostra-lhe uma ficha bancária apenas com nome, número de contribuinte e uma rubrica. Pedem-lhe que envie os seus dados de cliente e as responsabilidades pendentes, a solicitar ao balcão onde a conta estava sediada, a F.
No balcão respectivo, M fica a saber que o processo é referente ao crédito solicitado em 1997 e que entrara em mora em 1999, tendo transitado para o BES-Cobranças.
De seguida, M contacta aquele serviço do BES no sentido de esclarecer o que se passa. De lá dizem-lhe que desconhecem F e que no sistema não aparece nenhuma dívida em seu nome.
Perante estas contradições, M apresenta uma reclamação, por escrito, que entrega directamente ao balcão do BES para ser enviada ao Departamento de Qualidade com o objectivo de se deslindar o mistério.
Uma hora mais tarde, contudo, M recebe um telefonema do BES-Cobranças a informar de que, afinal, sempre havia um débito pendente: correspondia às prestações 26 a 36, por liquidar desde 1999. E, como num passe de mágica, a dívida inicial sobe para 1.143€ (devido aos juros, dizem).
Apesar das fortes suspeitas de irregularidades, mas porque necessita, urgentemente, que o BES passe uma declaração para a CGD, M decide pagar e, depois, reclamar. Dão-lhe, então, uma referência para pagamento através do multibanco. Após várias tentativas sem o conseguir, M contacta o BES-Cobranças e uma outra funcionária informa-a de que, afinal, os códigos estavam errados e deveria fazer um depósito directo em dinheiro, na conta X, no balcão do BES.
Como já eram 16h, M regressa a casa e resolve fazer uma pesquisa nas gavetas da secretária. Apesar de decorridos quase sete anos, encontra todos os extractos bancários da época que comprovam, sem margem para quaisquer dúvidas, que aquele empréstimo fora liquidado na integra.
Revoltada com a injustiça de que está a ser vítima, escreve uma 2.ª reclamação (à qual junta todos os comprovativos que encontrou) e, no dia seguinte, vai entregá-la no balcão do BES exigindo a emissão de uma declaração de quitação do empréstimo e a rectificação da comunicação ao Banco de Portugal. Perante as evidências, a funcionária tem de admitir que, no mínimo, a situação é muito estranha. E mais estranho é o facto de, entretanto, os dados pessoais de M já constarem da respectiva ficha bancária (morada e assinatura completa). E, mais uma vez, o assunto transita para o Departamento de Qualidade.
Depois, M segue para o BES-Cobranças e fica a saber que o BES até é muito compreensivo. É que os 1.143€ correspondem ao valor da dívida mas com apenas 20% de juros de mora porque lhe tinham “perdoado” 80% da quantia que deveria ser, efectivamente, cobrada!
Entretanto é informada de uma terceira versão sobre a origem da dívida: estiveram a analisar melhor o processo e descobriram que se trata das prestações de Julho a Novembro de 1999, apenas cinco, e não as onze que se pensara inicialmente. Contudo, a quantia em dívida é a mesma.
Decorrida uma semana sem que o BES resolva a situação, isto é, com o empréstimo suspenso na CGD e em vias de perder o negócio de compra da sua nova casa, M insiste com o BES para que lhe seja passada, no mínimo, uma “declaração de dívida” para apresentar na CGD em conjunto com as provas documentais atrás indicadas para tentar mostrar que não é uma cliente de risco e está, apenas, a ser alvo de uma injustiça. Todavia, dizem-lhe que sem o recibo de quitação da dívida nada feito...
Posto o problema desta forma, M pondera seriamente liquidar aquela verba e continuar a reclamar nas instâncias adequadas. Por isso, denuncia o caso ao Banco de Portugal, Instituto do Consumidor e Ministério Público. Como é associada da DECO pede, também, a intervenção desta associação.
Nesta data, M aguarda que, internamente, o BES investigue o que se passou, sem previsão de uma data para a resolução do conflito.
E é assim que, por incúria do BES (que agiu de notória má fé porque, mesmo que fosse verdade que M não pagara aquelas prestações em 1999, porque só agora em 2006 o BES “descobre” esse incumprimento e, em vez de contactar primeiro a cliente no sentido de cobrar o montante em causa prefere enviar, sem apelo nem agravo, o seu nome para o Banco de Portugal? É que, não fosse o pedido de crédito à CGD a cliente nunca viria a saber da situação!), M está a sofrer danos morais e patrimoniais (alguns irreversíveis que não é qualquer indemnização que apaga por mais choruda que possa vir a ser) que ferem a sua dignidade enquanto cidadã: a desonra e a vergonha por estar incluída, injustamente, na lista de pessoas que oferecem risco de crédito, e a eventual recusa da CGD em conceder o financiamento solicitado gorando as expectativas de aquisição da nova casa.

Deixo-vos um desafio: que tal serem vocês a indicarem aquela que deve ser a “moral” da história?
E assim que houver mais novidades, podem crer que aqui as contarei como forma de denunciar, publicamente, esta ignóbil situação.

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